Muitos fazem a pergunta: para que serve a filosofia? É uma questão
interessante, a que pode e deve ser dada uma resposta. Contudo, não vemos
outras disciplinas suscitarem as mesmas dúvidas, não vemos ninguém a interrogar
qual a utilidade da matemática, do português, da física, da química, da música,
da biologia, da história, da geografia, etc. Esta dificuldade em encontrar a
finalidade da filosofia e que outras disciplinas não apresentam, advém do facto
de a filosofia ser muitas vezes encarada como inútil (uma ciência com a qual e
sem a qual o mundo permanece tal e qual). Esta visão da filosofia resulta do
facto de não lhe ser atribuída um sentido prático direto. Na nossa cultura e
sociedade, é norma só atribuirmos relevância àquilo que tiver alguma aplicação
prática e utilidade. «No alvor da sociedade tecnológica onde cada um de nós é
fortemente submetido à concretização dos seus eventos, vemos a técnica superar
a moral, a utilidade a impor-se ao bom senso, o egoísmo a superar a
solideriedade» (Manso, 2003: 19). E isso é plasmado na visão dos alunos acerca
da filosofia, estes revelam precisamente essa orientação do senso comum, não conseguindo estabelecer a ligação
entre aquilo que é transmitido na sala de aula e os problemas da sua vida
quotidiana. Na perspetiva da sociedade e da humanidade, a filosofia não
apresenta soluções para os problemas.
O ensino da filosofia é muito
baseado em textos, debruça-se muito sobre teorias, e isso à partida não cativa
alunos que valorizam a objetividade e a prática. A filosofia vive de teses e
refutações, de argumentos, fundamentação e refutação desses argumentos, parece
que nunca chega a uma conclusão e isso afasta os alunos da sua órbita. Tem de
ser o professor a tirar os alunos desse estado de aversão e consciencializá-los
de que podem tomar parte no problema. Atualmente, o próprio sistema de ensino está
muito vocacionado para as competências e pouco para a formação cívica, moral e
ética dos alunos. Enaltecesse muito as ciências tecnológicas e pouco as
ciências sociais e humanas. Sendo a filosofia uma área disciplinar que
incorpora e que tem como uma das suas pretensões a formação integral dos
estudantes, é fundamental que estes percebam a sua pertinência, a sua
“utilidade”, que consigam identificar a sua essência para que possam estabelecer
uma relação entre os conteúdos programáticos e a sua aplicabilidade, no fundo
para que percebam o que é filosofia.
O programa de filosofia e as
orientações (legais)
O Programa de Filosofia
vai precisamente ao encontro desta perspetiva, definindo-a como um saber que
está «inscrito na componente de formação geral de todos os cursos do ensino
secundário», enaltecendo assim o papel fundamental que representa para a
formação integral dos alunos. Neste sentido, cabendo à filosofia contribuir
para a formação integral dos alunos, o seu ensino deve ser estabelecido de modo
a formar alunos dinâmicos, com espírito crítico e reflexivo, autónomos e
capazes de «problematizar e relacionar as diferentes
formas de interpretação do real».
Neste sentido apontam também os
diplomas que estabelecem os princípios orientadores da organização e da gestão
dos currículos dos ensinos básico e secundário, da avaliação dos conhecimentos
a adquirir, das capacidades a desenvolver pelos alunos e do processo de
desenvolvimento do currículo dos ensinos básico e secundário[1],
que ressaltam do facto de ser no
secundário que o ensino deve ser mais vocacionado para a formação
integral, uma vez que é nessa fase etária que se dá uma maior estruturação da
identidade pessoal, social e cultural dos estudantes, o mesmo acontecendo na
«dimensão crítica e ética, indispensável face ao extraordinário desenvolvimento
das ciências e das tecnologias e às suas consequências diretas na nossa vida
quotidiana». O Relatório Delors (UNESCO)
destaca a função que o ensino secundário deve ter na formação dos jovens,
salientando que é nesta idade que os talentos mais variados se revelam e
desenvolvem. Nomeadamente, os «elementos do tronco comum (línguas, ciências,
cultura geral) deveriam ser enriquecidos e atualizados de modo a refletir a
mundialização crescente dos fenómenos, a necessidade de uma compreensão
intercultural e a utilização da ciência ao serviço de um desenvolvimento humano
sustentável» (Delors, 1996: 135). O mesmo relatório menciona que os programas
do ensino secundário deveriam pender mais sobre a «preparação para a vida», num mundo em que a componente tecnológica
cada vez tem mais predomínio. O ensino secundário deve propiciar a formação do
carácter dos alunos, de forma a muni-los de “ferramentas” que lhes permitam
enfrentar os conflitos e a violência gerada pelas novas tecnologias e a rápida
transformação. «A colaboração das ciências sociais e humanas é, sob este ponto
de vista, essencial, na medida em que abordam tanto a existência em si mesma
como os factos sociais. Será preciso acrescentar que esta pesquisa
pluridisciplinar deverá contar com a participação da história e da filosofia? A
filosofia, porque desenvolve o espírito crítico indispensável ao funcionamento
da democracia…» (Delors, 1996: 60).
A
formação do carácter que é tão almejada por todos e que está vincada nas
diversas orientações curriculares vem
precisamente reforçar a tese que defendo, dar um sentido prático à filosofia.
Sendo a filosofia uma disciplina que por excelência trabalha a formação
integral dos alunos, isso significa que o seu “produto”, aquilo que é ensinado
nas aulas, tem necessariamente que ter uma correspondência na vida real de cada
um. É por isso necessário dotar a metodologia do ensino da filosofia de
processos adequados para fazerem despertar nos alunos o gosto pela filosofia e
a perceção da sua “utilidade” na formação de bons cidadãos.
Conceção de filosofia
A preocupação em encontrar uma definição para a filosofia não é uma preocupação menor, porque para se poder estabelecer a relação entre a filosofia e a pedagogia, é necessário precisarmos a sua noção de forma a podermos descernir se a filosofia é efetivamente um saber[2]. O ensino da filosofia, só faz sentido se existir uma definição mais ou menos clara daquilo que se entende por filosofia, caso contrário não poderiam haver pressupostos, programas ou objetivos pedagógicos. A resposta a esta questão está dependente da forma como concebemos a filosofia. Se pretendo com este ensaio fazer uma reflexão acerca da melhor forma de ensinar filosofia no ensino secundário, então é necessário esclarecer previamente.
Não é fácil definir filosofia, a própria palavra não
tem uma significação bem delimitada. A palavra surgiu na antiga grécia e foi
sobretudo com Sócrates e Platão que adquiriu o significado de amor à sabedoria. Mais tarde, com
Aristóteles, serviria para classificar o conjunto de todas as ciências. Mais
recentemente temos a perspetiva delineada pelos positivistas, que definem a
filosofia como uma forma de sistematizar os saberes, cuja principal função
seria determinar o âmbito dos mesmos, defenindo os seus limites, relacioná-los
entre si e refletir acerca dos diversos saberes de modo a poder ter matéria para
o seu desenvolvimento. Isto serve para demonstrar que ao longo dos séculos a
filosofia não reuniu nem reune consensos, tem vindo a adquirir diferentes
significações. E por oposição às ciências fisícas, experimentais e matemáticas,
começou a ser identificada com a metafísica. A filosofia era vista como a
ciência do ser enquanto ser no qual se conhecem todas as coisas. A filosofia
seria então a ciência mais universal e desinteressada de todas as ciências
(ciência primeira).
O saber implica
sempre um “conhecer”, por isso a filosofia terá de apresentar-se como um
processo cognoscitivo. Os
alunos estão à espera que a filosofia seja uma disciplina como todas as outras,
que prove ou demonstre alguma coisa. Mas a filosofia não demonstra como a
física, nem prova como a matemática, a filosofia somente intui por especulação (cf.
Fragata, 1986: 6). Mas esta intuição especulativa não é irracional, pois a
linguagem própria da filosofia é a razão que leva o intelecto a “ver
implicitamente”. Ao contrário do que pensa o senso comum, a filosofia não é
abstrata. «Abstractas são-no, inevitavelmente as ciências físicas, pois é
necessário abstrair da concreção individual para formular uma lei que convenha
a qualquer singularidade concreta. Abstractas, em mais alto grau, são-no as
ciências matemáticas em que se abstrai até de todas as determinações
específicas para se considerar apenas a formalidade quantitativa em ordem à
capacidade duma aplicação ainda mais ampla à singularidade concreta. A
filosofia, porém, não abstrai: especula. Especular é atingir a realidade
concreta por implicação noutra realidade, seja ela também individualmente
concreta ou fornecida pela abstracção física, pela abstracção matemática ou
mesmo pela fé religiosa. E quando se atinge uma realidade implicada noutra não se
abstrai nada nem de nada» (Fragata, 1986: 7).
Desta análise que
se acaba de fazer pode-se desde já estabelecer a distinção entre saberes como a
física (experimental) e a matemática, da filosofia. O que nos conduz a uma
aproximação mais concreta para determinar se a filosofia é efetivamente um
saber.O
verdadeiro filósofo não é aquele que especula dentro dos limites de outros
saberes, mas aquele que vai para lá do interesse imediato do aperfeiçoamento de
outros saberes ou ciências, especulando de tal forma que «atinja verdades
meta-empíricas», ou seja, aquelas verdades que não sejam demonstradas pela
experiência como faz a física, nem atestadas racionalmente como faz a
matemática. Desta forma, a filosofia autonomiza-se, encontra a sua própria metodologia
que lhe permite desenvolver-se, torna-se numa ciência capaz de produzir as suas
próprias verdades e conclusões inatingíveis a qualquer outra ciência, algo que,
à semelhança de outros saberes, se torna num benefício para a humanidade (cf.
Fragata, 1986: 13).
Dentro deste
quadro, a conceção de filosofia que
defendo assenta na ideia de que é uma atividade criativa, critica e
rigorosa, que procura
resolver os problemas conceptuais das outras ciências (interdisciplinar), e
desenvolver-se como ciência autónoma no campo da especulação racional e
fundamentada da realidade (interior e exterior). Um modo de
pensar a vida nas suas mais diversas facetas, servindo de guia para as ações dos seres
humanos e procurando resolver os seus problemas através da problematização, da
conceptualização e da argumentação. Como propõe Manso, «a filosofia sempre se
revelou por três caracteres fundamentais:
a) Carácter
hermenêutico –
filosofia como arte de criar conceitos.
b) Carácter
fundamentador – na
medida em que a filosofia é fonte e lugar de outros sabres.
c) Carácter
crítico – procura
constante dos fundamentos sérios e rigorosos de toda a realidade.»
(Manso, 2003: 19).
A
filosofia, desde os seus primórdios até hoje sempre se preocupou com a reflexão
acerca da vida, a sua maior preocupação tem sido a procura de um sentido para a
vida e para o mundo. «A ensinabilidade própria da filosofia só se concretiza na
medida em que o sentido do filosofar se compreende como exercício de pensar
sobre a existência pessoal e coletiva de cada ser humano. (…) A Filosofia é
essa motivação inquietante de procurar compreender a realidade, que toma de
assalto o filósofo, motivando-o a pensar sobre si mesmo e a realidade que o
toca, estabelecendo um contacto de construção de conhecimentos (1) entre ele e
os outros seres humanos; (2) ele e o ambiente; e (3) entre ele e as
inquietações mais profundas sobre as quais o homem há muito se debruça. São
essas problemáticas que nos desafiam a nós no espaço do mundo e do tempo,
apontando a necessidade de pensar o futuro a partir das interpretações que são
feitas pelo humano e das ações que se realiza no tempo presente» (Pimentel e
Monteiro, 2010: 330).
É
neste sentido que poderá começar a incutir-se nos alunos a “utilidade” própria da
filosofia. A tese que defendo vai ao encontro desta perspetiva de filosofia e
das orientações que atrás foram enumeradas. Tendo em conta estas componentes,
se conseguirmos conjugar dois fatores: primeiro conjugar os conteúdos
transmitidos na sala de aula à capacidade de filosofar (de fazer filosofia); e
em segundo conjugar a capacidade de filosofar com a vida concreta de cada
aluno, fazendo com que sejam capazes de ver uma correspondência entre esses
desígnios e os seus problemas do dia a dia, então estamos a contribuir para
estreitar o caminho que separa aquilo que é a visão dos alunos (e do senso
comum) daqueles que são os objetivos da filosofia e do seu programa. Esta é a tese
que defendo. «Estabelecer uma continuidade entre a filosofia e a nossa vida,
uma vez que certas questões que vivenciamos foram também questões dos grandes
filósofos e que o modo como as discutiram pode ser relevante para nós, pode-nos
ajudar a pensar por nós mesmos, mas junto com eles» (Pimentel e Monteiro, 2010:
334). Os problemas filosóficos têm de ser sentidos vitalmente como tal, caso
contrário não serão verdadeiramente filosóficos. A filosofia (o seu ensino) tem
de saber tirar os alunos da passividade com que encaram o real, e colocá-los
numa postura crítica e ativa, para que adotem uma atitude de questionamento
perante os factos da realidade. Isso implica que os alunos adquiram mecanismos
e ferramentas conceptuais que lhes possibilitem pensar bem, saber interrogar e
saber agir (cf. Manso, 2003: 19).
Implicar
os alunos na apreensão dos problemas em que estão envolvidos, permitindo
construir um sentido para as suas questões, é a melhor forma de atenuar o hiato
que existe entre o pensamento, os problemas e os textos filosóficos
(considerados ininteligíveis e demasiado abstratos), e a intenção de pensar
acerca das coisas quotidianas. Um texto de filosofia pode conter várias vertentes:
por um lado, pode funcionar como menção da teoria tratada, e por outro, também
funcionar como forma de colocar os alunos em contacto com os seus problemas,
levando-os a ter uma abertura maior para a teoria apresentada. Para isso só é
preciso encontrar o texto certo e a metodologia indicada. Para trazer os alunos
para a órbitra da filosofia, é indispensável proceder à aproximação do
pensamento filosófico com a vida quotidiana dos alunos.
«Tal possibilidade
se concretizaria numa superação do distanciamento da filosofia com o cotidiano
popular pela forma como a própria vida é pensada, na sua forma de compromisso
com a condição humana e, no contexto da sala de aula, na forma de tratamento e
desenvolvimento que a disciplina recebe na dinâmica escolar, rompendo com a
perspectiva pragmática de uma ênfase incisiva ao desenvolvimento de
competências e habilidades, visando, exclusivamente, às tendências de mercado
ou no desenrolar do ensino de filosofia e privilegiando somente o estudo da
tradição filosófica como que um historicismo filosófico.» (Pimentel e Monteiro,
2010: 334).
Por tudo isto, pela forma como
concebo a filosofia, pela forma como os programas e os manuais interpretam o
ensino da filosofia, torna-se necessário encontrar uma metodologia[3],
uma abordagem pedagógica e didática, que permita precisamente vincar a
pertinência do ensino da filosofia. Essa metodologia tem de ser capaz de
desvincular os alunos da opinião do senso comum e levá-los a perceber que mesmo
querendo cursos com aplicabilidade direta (com finalidade prática) a filosofia
continua a ser uma disciplina fundamental na sua formação. Como afirma Merleau-Ponty
(1999), a verdadeira filosofia mostra-se na forma de “reaprender a ver o
mundo”.
Filosofia e pedagogia, que relação?
Sendo a filosofia um saber específico[4] por consequência tem de estar sujeita a uma metodologia também ela específica. Assim, para procedermos à reflexão acerca de qual será a metodologia que melhor serve o ensino da filosofia tal como a concebo, é necessário perceber que tipo de relação se estabelece entre filosofia e pedagogia e quais as consequências que daí podem advir para o seu ensino e aprendizagem. Para se ensinar filosofia temos de nos manter dentro da filosofia e perceber qual a didática que melhor se adequa à sua especificidade própria, «porque os problemas do ensino da filosofia são problemas filosóficos» (Boavida, 2010: 19).
Muitos
autores consideram que estas questões têm uma resolução fácil, uma vez que
defendem que a filosofia contém em si a sua própria pedagogia e que toda a
pedagogia pressupõe uma filosofia, em suma, entendem que há uma componente
pedagógica na filosofia da mesma maneira que há uma propensão filosófica na
pedagogia. Assim, «a filosofia é pedagógica na medida em que é dialógica e
analítica, em que produz e exige um discurso crítico que é simultaneamente
desconstrutivo, construtivo e fundamentador de novas evidências. (…) Por seu
turno, a pedagogia é filosófica na medida em que definindo fins e meios,
concebendo um homem e uma sociedade, reconhecendo modelos, hierarquizando
valores, isto é, pressupondo uma cosmovisão, implica uma preocupação e uma
função filosóficas» (Boavida, 2010: 21). A pedagogia está implícita na
filosofia, porque ensinar filosofia é fazer filosofia, a filosofia ao sentir os
problemas e refletir sobre eles está a proporcionar a si uma pedagogia que lhe
é própria.
Podemos analisar
de forma mais clara a relação que se estabelece entre a filosofia e a pedagogia
respondendo a duas perguntas clássicas que se colocam a qualquer disciplina
curricular: O que queremos ensinar? Como queremos fazê-lo?
O que queremos ensinar
Esta primeira questão é talvez a mais pertinente porque é aquela que vai definir todas as respostas que se poderão seguir. É porventura aquela cuja resposta é mais difícil e que não gera tantos consensos. A questão acerca do que queremos ensinar é óbvia, queremos ensinar filosofia. Mas se pensarmos que a filosofia tem mais de dois milénios, e que o percurso destes dois milénios é caracterizado pela disparidade de ideias acerca das conceções de filosofia, então, que filosofia ensinar?
Existem programas
de filosofia, mas eles não nos dizem que filosofia ensinar, simplesmente
apresentam as matérias que devem ser ensinadas, quanto muito podem dar algumas
orientações do que se pretende. O que determinará a filosofia a ser ensinada é
a conceção de filosofia que cada professor adotar[5].
«A problemática
sobre as funções da Filosofia leva-nos, de modo direto ou indireto, às
conceções de filosofia. É preciso identificar e questionar as conceções de
Filosofia que os professores têm subjacentes às suas práticas. A tomada de
consciência das conceções de Filosofia é fundamental para se manter, (re)ajustar
ou inovar criticamente as práticas educativas e curriculares. Subjacentes às
práticas estão sempre conceções. Muitas vezes essas conceções não estão
explícitas; daí a necessidade de tomar consciência delas de modo que possam
iluminar criticamente o caminho a seguir» (Medeiros, 2005: 136).
A filosofia a ser
ensinada depende mais da conceção e da metodologia a ser utilizada que dos
conteúdos. Obviamente que isto poderá levar a um relativismo que em última
instância coloca a própria filosofia em causa. Um caminho que nos afasta desse
relativismo é o que nos conduz à “atividade
filosófica”, que não estando desligada daquilo que se possa entender como
sendo a natureza da filosofia, pode, e julgo que o é, geradora de consenso e de
alguma unanimidade. Todos tendem a concordar que a atividade filosófica «se
manifesta por um agir intelectual, uma ação, um processo racional e
interpretativo» (Boavida, 2010: 35), uma atividade criativa, crítica e
rigorosa. A atividade filosófica é parte integrante de qualquer conceção de
filosofia, logo, o que queremos e devemos ensinar é a atividade filosófica.
Desta forma, não
só o lugar da filosofia no ensino está justificado, porque o processo de ensino
da filosofia ao assentar na persecução da atividade filosófica é muito mais
relevante que apenas transmitir os conteúdos programáticos, assim como vai ao
encontro daquelas que são as pretensões das pedagogias modernas no que ao
processo de ensino-aprendizagem diz respeito, ou seja, a aquisição de
competências. Independentemente da conceção que se possa ter quanto à natureza
própria da filosofia, o seu ensino deve ser orientado de modo a propiciar uma
aprendizagem focalizada na “atividade filosófica”.
Como
ensinar filosofia
Esta questão está
necessariamente ligada à questão anterior, o
que queremos ensinar, porque não podemos querer saber como ensinar filosofia se não entendermos o que é a filosofia.
Aquilo que se entende por filosofia implica não apenas aquilo que se vai
ensinar mas também a forma como o vamos fazer. A conceção de filosofia que se
possa ter ao ser vocacionada para a “atividade filosófica” deve proporcionar a
transição da “filosofia feita” para a “filosofia por fazer”. As questões do que
ensinar e como ensinar só fazem sentido quando aplicadas à filosofia por fazer,
a filosofia feita está aí e ela própria contém o modo de como deve ser ensinada[6].
A atividade filosófica é um fazer filosofia, como afirmava Kant, «em filosofia,
cada pensador constrói a sua própria obra», é nesta capacidade que se patenteia
toda a dimensão pedagógica da filosofia. Se a filosofia não pender para a
atividade filosófica, então não é ensinável, porque não se pode ensinar aquilo
que ainda não existe, apenas se pode ensinar o seu produto, os seus métodos e a
forma de a produzir através da atividade filosófica (cf. Boavida, 2010: 39). É
neste sentido que a pedagogia assume um papel fundamental no ensino da
filosofia, porque é ela que vai definir o
como ensinar filosofia, é ela a estabelecer os objetivos e o seu êxito.
A filosofia enquanto
forma criadora requer uma pedagogia específica, mas ao existirem programas com
conteúdos acerca de filosofia já feita, o professor tem de saber conciliar duas
pedagogias, uma que é própria da filosofia e que a define e outra que é comum a
todas as outras disciplinas e que possibilitam a transmissão do pensamento de
outros pensadores com conceções de filosofia diferentes. O como ensinar está assim implicado nesta dualidade de criar e
transmitir[7].
Ricardo Carvalho
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[2] Suspeita muitas vezes lançada
pelo senso comum e um dos motivos do desinteresse dos alunos para com a
filosofia.
[3] A questão da metodologia
propriamente dita vai ser abordada quando fizer a reflexão acerca da estrutura
e das estratégias que utilizei nas minhas aulas, secção 3.
[4] Carácter específico aqui não
significa especial ou privilegiado, apenas que tem características distintas de
outras áreas.
[5]O ensino da filosofia tem sempre
subjacente uma determinada conceção de filosofia, voltarei a esta questão
quando apresentar a conceção de filosofia que defendo e procurei colocar em
prática nas minhas aulas através de metodologias específicas.
[6] Ensinar “filosofia feita” trará
os mesmos problemas pedagógicos que qualquer outra disciplina.
[7] Voltarei a esta questão do como ensinar filosofia quando tratar
a questão da metodologia que sustentei para a minha prática letiva.