Para discorrermos
acerca da noção de ética e da sua conceptualização, temos de perceber o
contexto em que esta surgir. A ética resulta da teoria dos valores (axiologia)
alicerçada à dimensão humana do agir. Valor “é sempre uma relação entre um
objeto e um padrão utilizado pela consciência que avalia uma ação a realizar.
No aspeto filosófico, é pela análise das nossas atitudes práticas
(não-teóricas) e pela reflexão sobre as mesmas que conseguimos atingir a
consciência do valor na sua essência.” (Logos, 1992: 391). Por isso, a questão
a que primeiro se deve procurar dar uma resposta é a de identificar qual a
origem ou o fundamento e o sentido do valor. Existem duas respostas a esta
questão; uma objetivista e a outra subjetivista. São duas interpretações
divergentes uma da outra. A primeira vê o valor como uma “entidade
supra-empírica, que subsiste em si e por si” (Silva e Zoboli, 2006: 19). O
valor é imutável, absoluto, o valor é independente de qualquer vivência ou
compreensão individual, os valores “transcendem a todos os elementos
circunstanciais e relativos: o tempo, o sujeito e as coisas a que se referem. A
sua natureza é ideal” (Silva, apud Silva
e Zoboli, 2006: 19). É uma perspetiva racionalista. A segunda resposta, ou
seja, o subjetivismo, vê o valor como “um reflexo da necessidade, do desejo, do
interesse que a consciência manifesta em relação às coisas com as quais se
defronta” (Silva, apud Silva e
Zoboli, 2006: 19), isto é, nesta perspetiva o valor não existe por si, é antes
o indivíduo que dá origem aos valores, e forma-os a partir das suas tendências
e preferências. Os valores deixam de ser absolutos, e passam a ser relativos às
vivências ou compreensão individual, o valor reflete o que cada um de nós
considera bom, admirado, desejado, útil, etc. Independentemente das
divergências dos dois pontos de vista, o certo é que as duas partem de um
elemento comum e que não pode ser dissociado, que é o facto de o valor só existir
a partir do sujeito, o valor independente a um sujeito não existe, não tem
qualquer realidade, isto, apesar da perspetiva objetivista conceber uma
realidade ao valor, contudo, essa realidade só pode ser apreendida, conhecida e
determinada através de um sujeito. É pelo homem que os valores emergem e se
compreendem, assim, quer a moral quer a ética são esferas da conduta humana, é
o homem o seu suporte.
A ação humana, por mais
simples que seja, implica quase sempre um cálculo racional. Quando escolhemos
praticar uma ação em vez de outra, fazemo-lo por estas ou aquelas razões, e
regra geral somos influenciados pelas nossas convicções, interesses ou gostos.
Toda a ação é a manifestação concreta dos valores que o agente já possui. Por
isto, as diferentes classes de valores (o Bem, o Belo, o Sagrado, etc.)
segundos os quais o ser humano se relaciona com o mundo, expressam as múltiplas
dimensões do agir humano. Ao longo dos tempos, com mais ou menos
preponderância, o homem foi sempre mostrando uma preocupação e reflexão acerca
dos valores. No campo filosófico foram vários os pensadores que se debruçaram
sobre os valores, desde Sócrates, Platão, Aristóteles, S. Agostinho, Rousseau,
Hegel, Kant, Marx, Nietzsche, etc.[1]
Valores
e educação
"A felicidade é um princípio; é para alcançá-la que
realizamos todos os outros atos; ela é exatamente o génio das nossas
motivações." A citação é de Aristóteles, e realça o facto de todas
as pessoas desejarem a felicidade, este princípio juntamente com o princípio de
respeito por si próprio e o respeito pelos outros, são os fundamentos de uma
teoria dos valores. As sociedades e culturas sempre preconizaram valores nos
seus procedimentos em comunidade. Esses valores variam de cultura para cultura,
e mesmo dentro de cada cultura esses valores vão-se alterando ao longo dos
tempos[2].
Os valores vão-se modificando à medida que a humanidade vai formando uma nova
visão do homem. Aconteceu isso na Grécia clássica, na modernidade, no
iluminismo, e na contemporaneidade. Do mesmo modo, à medida que se vão
alterando os valores vão-se alterando também os pressupostos da educação[3]. A
educação ou pedagogia, no sentido mais amplo, pretende conduzir ao
desenvolvimento de todas as facetas da personalidade humana, surgiu precisamente
no interior da problematização de temáticas de natureza religiosa, política e
moral. A educação é a forma de transmissão dos princípios axiológicos. Assim, valores
e educação estabelecem entre si uma relação de interdependência, na medida em
que esta resulta daquela. É a partir de uma determinada conceção de valores que
se estabelecem os princípios e finalidades de uma educação. A educação é o
reflexo dos valores inerentes a uma determinada comunidade, a uma determinada
forma de conceber o homem. Os valores relativos à vida, assim
como os princípios universais que norteiam as relações entre
os seres humanos e destes com a natureza, foram feições que estiveram sempre presentes na educação e na sua história.
Neste sentido, qualquer
propósito relacionado com a educação tem de ter em conta os valores
predominantes na comunidade, a fim de realizar um projeto pedagógico que
possibilite tornar os valores efetivos, e que se revelem em conhecimentos
racionais. Os valores a transmitir na educação dão origem à moral, à ética e
até a uma identidade cultural.
«Muitas vezes, sem sequer se aperceber disso ou sem ter
capacidade para o exprimir, o mundo tem sede de ideal ou de valores a que
chamaremos morais, para não ferir ninguém. Cabe à educação a nobre tarefa de
despertar em todos, segundo as tradições e convicções de cada um, respeitando
inteiramente o pluralismo, esta elevação do pensamento e do espírito para o
universal, e para uma espécie de superação de si mesmo.» (Delors,
1996: 56)
Ética, Moral e Cultura
Ética e moral
A
relação que se estabelece entre valores e educação é mediada por uma
determinada conceção de moral. Até agora tenho falado de ética, moral e cultura
sem ter especificado o que cada termo significa ou representa. Para clarificar
ideias, é necessário indagar acerca de cada um dos termos e perceber a que cada
um se refere e qual a ligação que estabelecem, ou que podem estabelecer, entre
si.
A
ética e a moral são muitas vezes descritas indiferenciadamente, ou seja, nem
sempre é feita uma distinção entre ética e moral. No campo filosófico não há
consenso entre os filósofos naquilo que distingue a ética da moral. Alguns usam
os dois termos indistintamente, outros defendem que ética e moral são coisas
distintas. Etimologicamente os dois termos significam praticamente o mesmo:
·
Ética vem do grego ethos, que significa costumes, maneira de proceder, de se comportar.
·
Moral vem do latim mores, e significa hábitos ou costumes.
A análise etimológica não permite estabelecer uma
distinção clara entre ética e moral. Daqui resulta que a distinção entre uma e
outra nem sempre foi colocada em causa. Contudo, a tradição filosófica atribui
a cada um desses conceitos um conteúdo próprio, estabelecendo efetivamente uma
distinção. Assim, a moral designará
o conjunto de preceitos e normas que a generalidade dos indivíduos de uma
comunidade aceita, ou devem aceitar, como adequados ou corretos. Ao passo que a
ética seria a reflexão filosófica acerca desses preceitos e normas. A ética
seria a reflexão sobre as razões que nos levam a considerar bons, maus, justos
ou injustos esses hábitos ou costumes adotados pela comunidade. A ética é
também a reflexão das várias normas morais adotadas por outras comunidades
diferentes das nossas, e a comparação entre elas. A ética não tem como objetivo
a prescrição ou imposição de normas, mas antes refletir acerca dessas normas,
procurando os seus fundamentos.
Pedro D’Orey da Cunha define a ética como a articulação racional do bem. D’Orey
procura desassociar o bem do satisfatório. A ética não diz respeito ao
satisfatório, relaciona-se mais com o sentido do dever, e dá o exemplo dos
pais, que cuidam dos seus filhos não por satisfação (embora lhes possa dar
satisfação), mas sim porque sentem que esse é o seu dever, independentemente de
dar satisfação ou não. «Cuidam do filho porque isso é que está bem, porque é
racional: ética como articulação do bem» (Cunha, 1996: 17). A ética será mais
indiferente ao relativismo cultural ao passo que a moral é mais dependente de
cada cultura, a ética situa-se “acima” da moral. A ética será só uma ao passo
que podem coexistir várias morais.
Assim, o termo moral remete para o conceito de norma
(regra ou lei), que significa o modelo de ação que se deve seguir, respeitar ou
cumprir. As normas podem ser morais, judiciais, etc. A moral será assim o
conjunto de regras, cuja função será orientar o indivíduo de modo a que as suas
ações e os seus comportamentos se adequem com aquilo que a comunidade social a
que pertence prescreve como correto ou adequado. Ao passo que para
compreendermos o conceito de ética, temos de entender o que se designa por intenção.
Que consiste no propósito de alcançar ou produzir consequências procuradas. Por
intenção, designa-se o propósito que uma consciência livre e autónoma formula,
de modo a que a ação que realiza produza as consequências desejadas. Toda ação
que realiza uma intenção com valor ético é uma ação livre, isto é, uma ação que
se produz independentemente de qualquer tipo de condicionalismo exterior, uma
ação que encontra o seu fundamento do interior de uma consciência determinada
em realizar o que em si mesma reconhece como bom. Uma ação só pode ser
considerada moral ou imoral se pudermos conhecer quais os motivos que a
determinam.
Com esta distinção podemos afirmar que as normas
morais são regras gerais de conduta, que, do exterior, devem aplicar-se a todos
os indivíduos por elas abrangidos. Já a intenção deriva da nossa consciência
individual, isto é, a intenção radica na interioridade de um sujeito autónomo. O
problema essencial da ética é a prática do bem, isto é, consiste em procurar os
critérios para determinar se uma ação praticada é uma boa ação. A ética visa
determinar quais os critérios para fazer o bem. A ética resulta da relação que
se estabelece entre a razão e a vontade como ato livre, o que a distingue das
restantes ações que visam simplesmente satisfazer necessidades como
alimentar-se, proteger-se, etc.
A pedagogia insere-se nesta relação como forma de
muitas vezes ser o meio de levar a ética a ser expressa por outra moral. D’Orey
lembra, contudo, que a ética nunca é pura, ela dá-se numa determinada cultura,
e isso é o que vai dar origem à moral.
Cultura
Cicero, no séc. I a.C.,
refere-se à cultura como a tarefa de desenvolver-se
para a humanidade, tendo esta definição três
conotações distintas: aquilo que faz com que o homem seja um homem; a
preocupação do homem pelo homem no sentido da sua mútua vinculação; aquilo pelo
qual o homem se torna verdadeiramente homem, a sua formação
ou educação, a paideia. A cultura era
identificada com o espírito (anima),
seria a ação que o homem exerce sobre o meio ou em si mesmo, fruto duma
interpretação pessoal e coerente da realidade, visando o seu aperfeiçoamento.
No renascimento, a expressão cultura como anima
é referida essencialmente como meio ou instrumento principal das literaturas,
humanidades e letras. Em 1871, com E. B. Tylor, um evolucionista cultural, a
expressão cultura atinge uma universalização. Baseado nas teorias
evolucionárias de Charles Darwin, reintroduziu o termo de anima no senso comum. Hoje em dia a compreensão de cultura engloba
a formação do homem como homem, ou seja, a educação das suas faculdades, sejam
elas intelectuais, morais ou religiosas, designa também o conjunto de meios
para atualizar ou realizar as potencialidades humanas, e identifica-se com um
significado etnológico-etnográfico, ou seja, é um «conjunto de atributos e de
produtos das sociedades e do género humano, por conseguinte, extra-somáticos e
transmissíveis por meios diferentes da hereditariedade biológica e que faltam
essencialmente nas espécies sub-humanas quando são características da espécie
humana, enquanto esta se agrega em sociedades», (Kluckhohn, in Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura,
580). A cultura está também
relacionada com fatores e condições em que se pode afirmar o homem como um ser
criador de cultura. A sua qualidade de homofaber,
um ser criador, dotado de um psiquismo superior ao psiquismo animal mais
elevado, faz com o homem se revele como inventivo nos mais diversos domínios:
tecnológicos, científicos, artístico, literário, filosófico e religioso, ou
seja, um ser dotado de desejos e aspirações, que sente a necessidade de se exprimir.
Esta noção surge da rutura entre natureza e cultura, e que dá lugar à expansão
de múltiplas formas de civilizações. Devido a este desvio, a cultura acabou por
designar um conjunto de normas coletivas, mas também a valorização individual
que distingue um indivíduo dos seus semelhantes. Neste sentido, a cultura
identifica-se igualmente com os meios, isto é, os instrumentos, costumes e
instituições dos grupos sociais, ou o uso de tais meios.
A cultura surge a
partir das inclinações, gostos e preferências de cada indivíduo dentro do grupo
que fazem com que ele se identifique e se assemelhe com os outros membros do
grupo, é o que D’Orey chama “cultura profunda”. Às expressões e produtos desta
cultura o mesmo autor chama “alta cultura”, que entende ser tudo aquilo que
pode ser ensinado sobre essa cultura, tal como a língua, os códigos jurídicos,
as conceções morais, os arranjos políticos e sociais e as organizações
religiosas e os produtos artísticos.
É através desta
relação, entre cultura profunda e alta cultura que se processa a identificação
cultural, uma vez que uma implica a outra, é uma relação de “mútua
causalidade”. A identificação cultural resulta quer da imersão na cultura
profunda como na aprendizagem da alta cultura, a primeira é quase natural,
surge geralmente no ambiente familiar, através da imitação dos modelos, como os
pais por exemplo. Ao passo que a segunda é resultado de um planeamento e de
ensino, é adquirida nas escolas e nas instituições sociais. A alta cultura
acaba por se constituir numa identificação cultural que é reflexo e expressão
da cultura profunda. Se D’Orey definia a ética como articulação social do bem, define a cultura como a articulação social do gosto, «é a
articulação social, não individual ou privada; não é erupção momentânea ou
permanente do gosto idiossincrático do indivíduo, mas a articulação construída
e mantida por uma comunidade ou uma sociedade, ao longo do tempo e num
determinado espaço. É a articulação social do gosto, isto é, das inclinações,
das preferências, das atracções» (Cunha, 1996: 15).
É a partir das relações
que se estabelecem entre estes três conceitos – ética, moral e cultura – que se
pode estabelecer ou compreender uma determinada conceção de educação. A
educação emerge da relação cíclica que se estabelece entre estas três esferas
do agir humano. Uma pedagogia centrada na educação moral deve ter em conta,
quer a identidade cultural quer a reflexão crítica. Estes dois fatores devem
ser tomados em conta, uma vez que, se por um lado é fundamental preservar a
identidade cultural, no sentido de manter um determinado paradigma ético que
possa dar origem a uma moral particular, por outro lado é fundamental haver
reflexões críticas dessa moral para que possa ser possível melhorá-la e
evoluí-la. Na pedagogia da educação moral, ao serem transmitidos os costumes e
o passado da história particular de cada sociedade ou comunidade, está-se
simultaneamente a fomentar uma identificação com esse passado e respetivos
modelos, e a propiciar reflexão crítica acerca desses modelos e das suas
carências. Sem a identificação cultural a reflexão crítica seria um exercício
puramente mental que desligaria a moral da ética. O grande desafio da educação
de hoje é «conseguir que todos nós passemos a gostar do bem, da Ética (razão) à
Cultura (gosto). Isto porque sendo a ética a articulação racional do bem e a
cultura a articulação social do gosto, a «ética só se realiza em acção se passar
pela cultura; só faço o bem se gostar do bem». (Cunha, 1996: 24).
Educação,
Ética e Prática Pedagógica
«(…) na medida em que o homem começa a organizar sua vida
socialmente, a ética se estabelece na busca de orientações para o agir que
tragam um certo equilíbrio entre a pulsão irracional e o domínio das paixões
pela razão. Desse modo, a ética se instaura no espaço de ambiguidade,
reconhecendo, por um lado, a fragilidade do humano com suas paixões e, por
outro, a tentativa permanente de construir normas que regulem a convivência
humana para além da particularidade.» (Silva e Zoboli, 2006: 61).
O homem encontra-se
nesta situação de conflito com ele próprio, tentando mediar o desejo
incondicionado de conquistas individuais e o seu desejo mais nobre de conquista
humanitária na criação de valores que possibilitem uma sociabilidade sustentada
e digna do ser humano. É neste âmbito que surge a participação ativa de uma
atividade educativa.
A educação diz respeito
a todos, na medida em que se reflete no concreto do viver e do fazer individual
e social. Neste sentido, a educação não está delimitada às escolas, mas é nas
escolas que ela se estabelece livre e espontaneamente. Assim, cabe às escolas
proporcionarem os meios necessários a estes desígnios. Às escolas cabe a difícil
tarefa de conciliar duas facetas que lhe são inerentes, mas que, à partida,
parecem a contradição uma da outra. À escola, enquanto função social, cabe o
papel de transmissora da cultura de geração em geração. Contudo, a escola não
pode pura e simplesmente transmitir os valores (ou pelo menos não deve), ou
seja, os valores não são objeto de ensino, no sentido estrito do termo. Passo a
explicar melhor, a escola não deve impor valores aos seus alunos, deve sim,
proporcionar aos alunos as condições necessárias para a prática quotidiana de
tolerância, levando a que os alunos sejam os criadores dos seus próprios
valores, alicerçados no respeito e consideração dos pontos de vista dos outros
(cf. Delors, 1996: 59).
Ao sistema educativo
cabe portanto a tarefa de encontrar uma forma que possa conciliar estes dois
aspetos, por um lado, criar as condições necessárias para uma autonomia
axiológica e, por outro, encontrar forma de transmitir aos alunos as bases
culturais que caracterizam a sua sociedade. O sistema educativo tem de assumir
um papel participativo na criação de um projeto de sociedade. Assim, cada
elemento deste sistema educativo tem de assumir o seu papel ativo, já não se pode
pensar que apenas as declarações normativas/legislativas (políticas) são
suficientes para a criação do social. Cada um, no seu dia-a-dia, na sua
atividade profissional tem de se assumir a sua responsabilidade na relação com
os outros.
O
Professor e a Ética Profissional
Não se pode pensar num
método de ensino-aprendizagem sem se fazer referência a pressupostos éticos, ou
pelo menos é muito difícil esse exercício. A dimensão ética da educação
é algo que não pode ser desconsiderado e as escolas devem constituir espaços em
que todos os envolvidos devem formar uma consciência ética e assumir uma
postura ética de acordo com as suas funções e obrigações, sejam os alunos, os professores,
funcionários ou família[4].
Os professores vêem a sua profissão como eminentemente
ética. “Ética porque o professor
deve agir na observância de um conjunto de princípios de natureza moral e
também porque o que se espera do professor é que ele recorra a uma estratégia,
desenvolva um método e disponha de recursos para promover a formação ética dos
alunos.” (Caetano e Silva, 2009: 50). A profissão de professor é vista como uma
função especial, isto porque, por um lado, requer uma determinada forma de
estar e de ser, impondo aos docentes um determinado padrão de comportamento e,
por outro lado, que a docência se reflita na formação e transformação dos
alunos, quer a nível ético quer humano[5].
Assim, os professores sentem a necessidade de ter uma formação científica
(adequada à sua área pedagógica) e uma formação ética, no sentido poderem
desempenhar convenientemente a sua função[6].
As
preocupações éticas já têm algum reflexo na legislação que regula o sistema
educativo, quer no que respeita à formação dos alunos como na formação dos
professores e da regulação da sua atividade profissional. É exemplo disto mesmo
a Lei de Bases do Sistema Educativo, “onde as questões éticas, associadas aos
valores sociais, espirituais, morais e cívicos, estão implícitas, quer como
princípios organizativos, quer como objectivos do ensino básico e secundário.
(…) Também ao nível da formação dos professores, no Decreto‑Lei que aprova o
regime jurídico da habilitação profissional para a docência na educação pré‑escolar
e nos ensinos básico e secundário surgem como componentes da formação inicial a
“formação cultural, social e ética (…) que abrange, nomeadamente: c) a
preparação para as áreas curriculares não disciplinares e a reflexão sobre as
dimensões ética e cívica da actividade docente” (Decreto Lei nº 43/2007, de
22 de Fevereiro, artigo 14º). Para a formação contínua, uma das áreas
privilegiadas é a “formação ética e deontológica” (Decreto‑Lei 15/2007, de 19
de Janeiro, artigo 6º, alínea d). Esta formação pretende, por um lado, ajudar
os professores na formação ética dos seus alunos, e, por outro lado, apoiá‑los
no exercício de uma profissão eminentemente ética: veja‑se o Decreto‑Lei nº
240/2001, de 30 de Agosto, que aprova o perfil geral de desempenho profissional
do educador de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário, onde
expressamente no capítulo II do anexo se faz referência à dimensão ética,
desdobrada em diversas alíneas, bem como o que se diz sobre os direitos e
deveres dos professores presentes no Estatuto da Carreira Docente dos
educadores de infância e dos professores do ensino básico e secundário
(Decreto‑Lei nº 15/2007, de 19 de Janeiro, artigos 4º e 10º).” (Caetano e
Silva, 2009: 52).
O
papel do professor define-se assim dentro desta ambiguidade, entre a formação
do aluno e os pressupostos necessários para a prática da profissão docente. A
peculiaridade da profissão docente insere-se nesta relação, porque na maioria
das outras profissões estas preocupações não acontecem. Muitas das vezes a
ética profissional de qualquer outra atividade confunde-se e entranha-se com a
ética pessoal que cada um já contém. A ética profissional resulta de um
prolongamento da ética pessoal. Na profissão docente (entre algumas outras),
isso não acontece ou não acontece com tanta frequência e facilidade. Isto
deve-se precisamente ao facto da profissão docente conter em si os princípios
éticos que a devem nortear, ou seja, existam normas prescritas para regular a
atividade docente. Qualquer professor tem de ter atenção a estas normas e
cumpri-las, não pode pura e simplesmente adotar a conduta ética que considere a
mais apropriada (por exemplo, há determinados direitos e deveres que um
professor tem de cumprir, e estes estão legislados). Qualquer candidato a
professor terá de adquirir uma determinada consciência ética, terá de assumir
uma determinada competência ética no âmbito do seu desenvolvimento
profissional.
Formação
ética dos professores
É comum assistir-se no domínio
ético à extrapolação da ética pessoal para a ética profissional. A atividade
educacional não é exceção, muitos dos professores têm uma visão centrada em
princípios e valores, orientadores da ação, que são comuns aos domínios
pessoais e profissionais[7].
Isto leva a que muitos docentes considerem a ética profissional como uma
extensão da ética pessoal. Nesta ótica, a identidade profissional e pessoal
formam um todo (cf. Silva e Caetano, 2009: 53). Daqui emerge a necessidade de
uma formação ética dos professores. Na sua formação inicial, os professores
ainda têm um défice de formação no campo da ética e do seu consequente papel
formativo. A formação ética é praticamente toda adquirida fora do processo
escolar, o que depois se reflete numa disposição ética pouco ou nada
estruturada. A pouca formação ética recebida na formação inicial dos
professores tem pouco, ou nenhum impacto na dimensão ética inerente à atividade
de docente. Neste sentido, torna-se pertinente, que a formação de professores
contemple uma maior formação ética e que, o desempenho da função de professor
seja acompanhado duma formação contínua, no sentido de formar uma maior
consciência ética, própria da profissão,
«Uma formação inicial que forneça
fundamentos para a prática, que se constitua como uma formação rigorosa e
organizada, motivadora para as questões éticas e que seja ela própria uma
experiência onde se vive a ética. Uma formação contínua que, numa fase em que
poderá haver mais sensibilidade para o tema, permita colmatar a distância entre
a teoria e a prática, pela consciencialização de si próprio, que crie condições
nas quais os professores possam parar para pensar, que mobilize o tratamento
de temas atuais, que ajude a gerir relações de grupo e que oriente a formação
ética dos alunos.» (Silva e Caetano, 2009:
54).
Evidenciando
claramente uma componente ética, a formação de professores como educadores
morais devia ocupar os currículos de formação de professores e o tema das normas
éticas da profissão não deveria estar afastado desses programas.
[1] Não
posso aqui neste trabalho expor aquilo que foram as ideias dos diversos
pensadores acerca dos valores, em primeiro lugar porque não é esse o propósito
deste trabalho, e em segundo lugar porque seria um trabalho demasiado extenso
para o fim pretendido.
[2] Estamos
dentro da perspetiva subjetivista, uma vez que na perspetiva objetivista, tal
como vimos, os valores são absolutos e imutáveis.
[3] Falo
aqui de educação no sentido geral do termo, não no sentido de
educação-aprendizagem, ou educação relativa às escolas, nesse sentido vou
analisar mais à frente a relação que se estabelece entre a escola, os valores
da comunidade e a moral.
[4] Neste
trabalho apenas me debruçarei sobre as questões relacionadas com a profissão
docente, é esse o ponto de vista que quero realçar neste trabalho, uma vez que
é aquele no qual estou e vou estar implicado. É também este o propósito da
disciplina.
[5] Isto não
significa que o propósito de transmissão de conhecimentos esteja afastado do
“modo de ser professor”, ou até que não seja o propósito mais importante.
Apenas se destaca essas duas facetas porque subentende-se que a missão do
professor é por si mesma a de transmitir conhecimentos, estando, por assim
dizer, as duas mencionadas, apenas como colaterais à atividade da docência.
[6] Esta
necessidade formativa já está contemplada em muitos dos princípios
organizativos relativos à docência (nas várias leis e Dec. Lei que regem a
atividade profissional docente).
[7] Os
valores são muitas vezes considerados intrínsecos, que não se podem descolar do
sujeito.
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