segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

O legado dos Gregos - Paideia

       A Grécia representa um novo paradigma na vida dos homens em comunidade. Neste sentido, relativamente aos povos anteriores os gregos representam um progresso, nos mais variados níveis, como o religioso, o político e o artístico. Desta forma, apenas com os gregos se pode começar a usar a palavra cultura com todo o seu significado. Os gregos conceberam para os indivíduos um novo estatuto na sociedade, e é daqui que vai resultar a sua importância universal como educadores. Ao contrário do que acontecia nos povos orientais, em que se aclamavam os homens-deuses, solitários, acima de tudo o que era natural, uma conceção metafísica do homem, os gregos formaram uma nova valorização do homem, cada alma humana tinha um valor infinito, era autónoma. Os gregos, através do caminho do espírito, alcançaram a consciência de si próprios, e esse conhecimento forneceu ao pensamento e à ação uma segurança que os anteriores povos não possuíam. A expressão artística que os gregos davam ao corpo humano é representativo desta ideia, o engenho estético dos gregos define-se por um instinto e por um simples ato de visão e não na constante transposição duma ideia para a criação artística. A arte grega resulta da conceção do ser como estrutura natural. Expressavam através da forma precisamente as leis que governam a estrutura, o equilíbrio e o movimento do corpo, a excelência (arete), algo que os povos orientais não poderiam compreender. Culturalmente a oratória também tinha um papel importante na explicitação do estilo harmónico do cidadão formado de acordo com o princípio da excelência. É no conceito de arete que se encontro o ideal educador do mundo helénico, Homero e Hesíodo são os principais transmissores desse ideal. A arete refletia a excelência humana e constituí-a o modo de pensar e de estar grego. Na Ilíada a arete era sublimada pela valentia e pela força de Aquiles, ao passo que na Odisseia afamava a prudência e astúcia de Ulisses. O processo educativo que no helenismo tardio estava entregue sobretudo aos poetas, foi progressivamente mudando para os filósofos, devido à predominância do racional pelo mito. Os gregos não criaram um simples código de leis (como os outros povos), mas procuram a lei que atua sobre as coisas, e é através dessa lei que orientam a vida dos homens. É neste sentido que os gregos são o povo filosófico por excelência, é por este facto que a filosofia só poderia ter nascido com os gregos. As preocupações cosmológicas dos primeiros filósofos refletiam esse espírito, ao interpretarem os factos particulares com base numa imagem que lhes fornecia uma posição e um sentido como partes de um todo. Através do relevo dado à forma, representavam o ideal do cidadão grego, um pouco em conexão com as ideias platónicas.
       Não era apenas na arte e na oratória que estava plasmada essa tendência para alcançar as leis do real, mas em todas as esferas da vida. Educacionalmente o legado dos gregos advém da sua inspiração dada à forma que domina todos os sentidos da vida. A educação surge como uma antropologia filosófica, em que da aceção filosófica do universal, do logos, da perceção das leis internas que governam a natureza humana, resultam as normas que governam os indivíduos e a organização da sociedade. Deste conhecimento resulta o ideal de educação grega, formar verdadeiros homens, homens sem falhas, perfeitos (ideia de totalidade do homem), homens completos.
       Assim sendo havia uma necessidade de haver um conceito que articulasse estas várias sensibilidades, estes vários fios careciam de uma articulação, e essa articulação é feita pela Paideia no sentido cultural e educacional. É cultural e educacional porque se estava a trabalhar na figuração, formação, configuração e transformação humana (Bildung). Cada indivíduo, com as figuras que o habitam, configura-se pelo princípio lógico, pelo logos (sobre o signo de Apolo, da luminosidade). O indivíduo evocando Apolo ilumina o seu interior (Dionísio), as formas que estão informes, que estão confusas, para as articular em nome de Apolo, em nome da razão. Como dizia Aristóteles, a potência transforma-se em ato, a potência dá origem à existência. Como no neoplatonismo o indivíduo dá a luz as formas que o habitam sobre o signo do logos (Apolo). Dar forma ao informe (questão escultural presente) é o ideal da humanidade que cada um transporta em si, daí a questão do Antropos, o homem vivo, princípio vital da criação. É neste sentido que a questão da forma é extremamente importante no modo do pensar Grego, e faz com que o povo Grego seja entre todos antropoplástico. É por este motivo que as esculturas dos corpos humanos, dos deuses e dos heróis, foram uma recorrência na vivência dos Gregos. Os gregos procuravam manifestar na beleza (porque o belo é bom e o bom é belo) os seus princípios abstratos, a estatuária era uma mediatização dos princípios racionais, ora imorais ora morais. A estatuária era no fundo a expressão plástica da arete. Os gregos eram habitados por essa necessidade de afirmar, não o homem Grego, mas a universalidade da humanidade no seio do cosmos. O princípio espiritual dos gregos é o humanismo e não o individualismo.
       Assim sendo, a articulação entre os diversos campos era feita pela Paideia, pelo ideal do homem, pelo qual se deveria formar o indivíduo, pela ação pedagógica e educativa, mas no sentido plástico do termo, no sentido mais abrangente do termo.
       Daqui resulta o facto de os Sofistas serem os fundadores de uma ciência da educação, de serem os autores de uma pedagogia, mas de uma pedagogia, mais do que disciplinar, formativa do cidadão. Com os Sofistas o sentido da palavra paideia amplia-se e ganha ainda mais importância. A educação tem de servir a mais alta arete humana, isto é, envolver todas as exigências ideais, físicas e espirituais, de formação humana, numa conceção total do homem (como nos diz o aforismo de Protágoras “o homem é a medida de todas as coisas”), a excelência deveria atingir a totalidade das capacidades humanas (ser excelente ginástica, na luta, na retórica, na política, etc.). Com o aparecimento da polis, era necessário encontrar uma educação que satisfizesse os ideias do homem com a vida na polis, e os Sofistas tiveram um papel fundamental nesse campo. A polis continha em si a totalidade da vida dos indivíduos, com a polis passou-se de uma educação individualizada centrada nos heróis homéricos, para uma fomentação das virtudes das disciplinas coletivas. O homem grego era um homem político, e era preciso encontrar e encaminhar os cidadãos para a arete política. O permanente conflito nos indivíduos (espírito-estado), derivado pelo anseio de uma posição satisfatória e privilegiada nas cidades-estado levou ao aparecimento da sofística. Uma das principais preocupações dos sofistas era a relação entre o indivíduo e o estado. Os Sofistas ensinavam a arte de conquistar o poder político, sendo remunerados por este serviço prestado, daí o seu ensino se centrar na retórica e na dialética.
       Contudo, se no tempo de Homero a educação era aristocrática, no sentido de que apenas alguns podiam alcançar a arete, as preocupações educacionais dos Sofistas também não eram dirigidas tanto ao povo, mas antes aos chefes, aos nobres. Os Sofistas não se limitavam a ensinar como os cidadãos deveriam agir segundo um ideal político de justiça, ou seja cumprir as leis, mas também ensinavam como criar as leis, como se tornarem condutores do Estado, e isso era procurado apenas pela nobreza. Para se tornarem homens do Estado, os indivíduos precisavam de conhecer as coisas relevantes do ser humano. O objetivo da educação sofística consistia precisamente na formação do espírito, uma vez que é através do espírito que o homem apreende o mundo sensível e se relaciona com ele. Os Sofistas formavam o espírito a partir de duas formas; a transmissão de um saber enciclopédica e a formação do espírito nos seus variados campos. A sofística pela primeira põe em evidência a exigência de uma arete baseada no saber. Algo que viria a influenciar muito os filósofos subsequentes como Sócrates, Platão que defendiam uma arete que visa a justiça, a verdade e a sabedoria ou Aristóteles na sua teoria ética do meio.    
      O mundo grego apresenta-se como o espelho que reflete o mundo moderno, tanto na sua dimensão cultural e histórica, como a imagem da sua autoconsciência racional.


      Ricardo Carvalho

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Hegel e o paradoxo finito-infinito

             Há quem considere que o grande tema da filosofia de Hegel é o problema da dissolução do finito e o problema da identidade entre o real e o racional. E, neste sentido, o problema central desta relação finito-infinito assentaria sobretudo na ideia de que, a única verdadeira realidade das coisas é o infinito.
            Hegel pensa que não existe nenhuma realidade para além do finito, desta forma tem de se procurar uma solução para este aparente paradoxo, uma vez que, o que verdadeiramente é, é finito, e que para além do finito não existe nenhuma realidade. O infinito não supera o finito por o fazer ressurgir continuamente e só abstratamente o faz. Esta frase parece querer dizer que temos duas realidades, aparentemente, uma ao lado da outra, ora, Hegel pensa que isso não é possível. E pensa que não é possível porque se nós colocarmos um finito ao lado de um infinito, finatizamos o infinito. Como podemos então conciliar o caráter de perecimento de tudo e a afirmação de que só o infinito verdadeiramente é? Hegel afirma que devemos considerar o finito como mera aparência, significando aparência aqui duas coisas; por um lado aquilo que aparece, e por outro lado aquilo que não tem em si aquilo que verdadeiramente é, ou seja, o seu ser não está em si mas fora de si. O que para Hegel significa que toda a realidade finita é uma manifestação do infinito na finitude. No fundo, as coisas são o que são e simultaneamente aquilo que elas não são. «O que é racional é real, o que é real é racional», ou seja, o que a razão apresenta é da ordem da realidade, manifesta-se na ordem do real, se assim não fosse estaria vedado todo e qualquer acesso do homem à realidade, e por outro lado o real é racional, porque sendo o real percorrido pela razão, necessariamente o ser do real é o da realização da razão e não o inverso. Aqui já estamos perante uma ideia da necessária, da total e da substancial identidade entre a realidade e a razão. Neste sentido, para Hegel, a razão é o princípio infinito auto-consciente, o que significa que é a identidade entre o finito e o infinito, ou seja, se ela é o princípio infinito auto-consciente significa que ela é o processo através do qual ela se volve a si própria, regressa a si própria. Porque a tarefa da razão não é estar naquilo que é estranho a si, é antes estar no seu domínio, «é estar em sua casa».

            Ricardo Carvalho