quinta-feira, 23 de junho de 2011

Reid e a linguagem, pequeno esboço…

     Já todos nós, certamente, enfrentamos problemas de expressão. Muitas vezes queremos explicar um sentimento, uma dor, um estado de espírito, e nem sempre encontramos o melhor termo ou o melhor modo de o fazer. Por exemplo, quando estamos a fazer uma declaração de amor, por muito que nos esforcemos para falar tudo aquilo que nos vai na alma, nunca conseguimos transmitir aquilo que verdadeiramente estamos a sentir. Sentimos uma inaptidão da linguagem para descrever com exactidão os nossos fenómenos mentais, sentimos a pobreza da linguagem. Assim, a linguagem assume um papel determinante e estrutural do problema difícil da consciência. Thomas Reid olhou bem para o problema, percebeu a importância que a linguagem representa para o estudo científico da consciência. Reid aborda este problema filosófico, de modo a afastar todos os erros que a linguagem natural perpetua, melhorando a linguagem no sentido de a tornar mais adequada à representação dos fenómenos mentais e, desta forma, tornar possível o avanço racional sobre a consciência. Para este propósito, Reid propõe que se faça uma análise profunda às origens da linguagem, de modo a que seja possível verificar o que a tornou tão imperfeita e, de igual forma, poder estabelecer uma possível melhoria. Começa por definir a linguagem como; “Todos aqueles sinais que o homem usa para comunicar com os outros os seus pensamentos e intenções, os seus propósitos e desejos”(Reid 2004, 113).
      Destes sinais, Reid estabelece que podemos distinguir dois tipos de classes diferentes, os sinais artificiais e os sinais naturais. Os primeiros são caracterizados por resultarem de um acordo ou contrato por parte de quem os utiliza e o seu significa é apenas aquele que foi estabelecido por esse acordo. Os segundos são aqueles de que todas as pessoas já conhecem o seu significado, não por um acordo, mas pelos princípios da sua natureza. Desta forma, aos primeiros chama linguagem artificial, aos segundos linguagem natural. O objectivo de Reid é demonstrar que antes de qualquer linguagem artificial, teve de existir uma linguagem natural. Pois só esta pode fornecer os sinais necessários a uma linguagem artificial. 
     O homem é o único ser capaz de ter linguagem, embora os animais também tenham alguns sinais naturais pelos quais expressam os seus pensamentos, afectos e desejos, ou seja, também se podem compreender uns aos outros desse modo. Contudo, só os homens têm a capacidade de estabelecer acordos e respeita-los, fazer promessas ou ter fé, porque os homens têm estas noções por natureza, ao passo que os animais, pela sua constituição não possuem estas noções. Deste modo, a linguagem artificial é uma criação humana, só possível porque o homem é constituído por certos sinais naturais que os outros animais não possuem. 
      Reid reduz os elementos desta linguagem natural do homem, ou os sinais que expressam naturalmente os seus pensamentos, a três classes; modulações da voz, gestos e expressões. Estes elementos, assim como a postura do corpo, os movimentos, a linguagem dos olhos, são elementos de continuidade que permitem a comunicação entre povos diferentes. Reid acredita que algumas noções são partilhadas por todos os povos. Apesar da grande distância que muitas vezes separa os homens, é sempre possível estes conseguirem comunicar entre si e porem-se de acordo para a realização dos seus fins comuns, assim; “Dois selvagens sem linguagem artificial podem conversar, podem comunicar os seus pensamentos mais ou menos de forma aceitável; podem solicitar e recusar, afirmar e negar, ameaçar e implorar, podem negociar, fazer acordos e ter fé” (Reid 2004, 114).
      A força da linguagem não reside nos sinais artificias, mas antes nos sinais naturais. São os sinais naturais que dão força e energia à linguagem, e quanto menos destes sinais têm a linguagem, menos expressiva e convincente fica. Os sinais artificiais apenas significam não expressam, e quando falamos nas paixões, nos afectos e na vontade, estes não são estimulados por essa linguagem artificial, antes sim, com a utilização da linguagem da natureza, só com esta é que estes sentimentos se despertam, se tornam activos. Reid com esta argumentação pretende demonstrar que o homem à medida que vai aperfeiçoando a linguagem artificial, vai simultaneamente deteriorando cada vez mais a natural. O homem em vez de procurar corrigir os defeitos da linguagem natural, começou a rejeita-la e a substitui-la por uma artificial. Esta linguagem artificial caracteriza-se por conter; “Articulações de vida falsa e sons aborrecidos sem sentido, ou com os rabiscos de caracteres sem sentido”(Reid 2004, 115).
      Se por um lado a linguagem artificial é cheia de imperfeições, por outro lado, a linguagem natural não possui recursos para distinguir sensações dos objectos em si. A linguagem não tem um léxico suficiente para poder fazer a distinção entre sensações e correlatos, “não existem nomes para as próprias sensações, enquanto realidades diferentes daquilo de que são sensações” (Curado, Afredo Dinis e Manuel 2007, 161). 
     Desta forma, Reid afasta a possibilidade de se poder construir uma língua perfeita. Não é possível conceber uma linguagem que represente com precisão a vida mental consciente. Porém, a linguagem continua a ter um papel fundamental para atenuar a opacidade dos conteúdos fenoménicos, porque a linguagem tem uma estrutura muito semelhante às sensações. As sensações são sinais naturais que levam o sentido humano às coisas que esses sinais indicam. Assim sendo, Reid faz uma proposta de reforma da língua na parte que diz respeito ao vocabulário mental. Corrigir ligeiramente a linguagem poderia ajudar a distinguir melhor as sensações dos objectos. Reid propôs pequenas alterações nas formas de expressão linguística, no Inquiry into the Human Mind on the Principles of Common Sense, propõe que a descrição da experiência subjectiva da dor seja reformulada para ‘estar doloroso’ (being pained). Esta é uma expressão que tem a função de mostrar como a língua natural se poderá alterar para representar com maior fidelidade os eventos mentais. Como utilizamos as mesmas expressões para classificar sensações e percepções, acabamos por as confundir como sendo da mesma natureza. “A expressão «sinto uma dor», pode parecer implicar que a sensação é algo distinto da dor sentida, contudo, na realidade, não há distinção”(Reid 2004, 241). Reid propõe uma expressão mais fiel ao evento mental da dor, ‘estar dorido’. Reid justifica esta alteração afirmando que; “tal como ‘pensar um pensamento’ é uma expressão que não podia significar mais do que ‘pensar’, ‘sentir uma dor’ não significa mais do que ‘estar dorido’.” (Reid 2004, 241).
      O que Reid pretende afirmar com esta argumentação é que não se tem uma dor como se tem um objecto exterior, então, é necessário reformular a linguagem para se poder expressar de melhor forma (ou de forma mais fiel) o fluxo da consciência. Assim, quando se tem uma dor, a melhor forma de a expressar não é afirmar que se tem uma dor, mas antes que se está dorido. Só desta forma se pode fazer extinguir a distinção que parece existir, porque quando estamos doridos não podemos dizer que a dor que sentimos é diferente da sensação que temos dela, porque são uma e a mesma coisa.   
     Apesar de Reid parecer indicar que ao melhorar a forma linguística pela qual nos expressamos, podemos ter um melhor acesso aos nossos conteúdos mentais, ele não avança com nenhum programa de reforma completo da linguagem. Talvez Reid se tenha apercebido que uma linguagem perfeita não era suficiente para se chegar à solução do problema difícil da consciência. Porque, como já ficou demonstrado acima, não é por a linguagem actual ser mais complexa ou melhores que as do passado, que o problema da consciência se tornou mais fácil. Quer com a linguagem natural quer com a artificial, o problema subsiste, e mesmo com melhorias, como a que é proposta por Reid, não se consegue avançar muito mais na solução do problema difícil. Reid terá percebido esta questão não representa a solução, e afastou do seu programa qualquer tipo de construção de uma língua perfeita que represente de modo fiel as modificações da mente consciente. 

             Ricardo Carvalho